domingo, 11 de março de 2012

Sobre Salvador

Muito se tem escrito, e discutido, sobre a situação em que se encontra Salvador.

Se há exagero? Penso que não. De fato, a Salvador que um dia existiu precisa ser redesenhada. Não apenas estrutural, mas essencialmente. Salvador é hoje uma cidade sem alma. É isso, parece que lhe roubaram a alma!

Sempre tive um desejo contido de ter vivido na Velha Bahia da literatura de Jorge Amado ou da música de Ary Barroso ou de Caymmi. Cresci ouvindo histórias sobre a beleza e a elegância da Rua Chile (eu mesmo alcancei a loja Slopper, acompanhado de meus pais, e cheguei a conhecer a Mulher de Roxo, com sua aura de mistério), a moda e os costumes da Barra, a profusão de escritores, artistas, gente da melhor qualidade que aqui morava, fora os que iam e vinham, e vinham.

Não faz muito tempo, há pouco, na década de 90, testemunhei uma Soterópolis pungente, orgulhosa de si, através, por exemplo, do renascimento de um Pelourinho efervescente, repleto de gente interessante, que sempre tinha algo a dizer. Vi Ivete em sua primeira apresentação em cima do trio, desde então esfuziante, cantando "já lhe dei flores, flores, flores...". Mesmo já entre cordas, sitiado, o Carnaval ainda parecia ser mais de todo mundo, e mais da gente, da terra, essa é a verdade. Depois, na primeira metade dos anos 2000, quando morava no Rio de Janeiro, em todas as vezes que vinha pra cá reencontrava uma cidade em franco desenvolvimento, limpa, florida e feliz. Parecia até que o velho e conhecido, e hoje puído, bordão "Sorria, você está na Bahia!" fazia algum sentido.

Acontece que o crescimento desgovernado, somado a um absoluto desgoverno municipal - e estadual, diga-se de passagem - resultou nisso aí que tanto nos tem deixado abatidos, passivos, inertes, absortos daquilo que os nossos olhos veem, mas se recusam a enxergar. E embora uma parte da cidade pense, como adolescentes deslumbrados com as delícias da irresponsabilidade juvenil, não vivemos num mundo ilusório, de fantasia, até porque as horas diárias perdidas em engarrafamentos, a falta de cuidado com os monumentos e espaços públicos, a sujeira das ruas e avenidas, os serviços de quinta categoria - públicos e privados - que nos são prestados, os "sacizeiros" que nos interpelam de dia e de noite, tudo isso é real.

No passado, mais precisamente nos séculos XVI e XVII, dizem os historiadores, "Salvador era a maior cidade européia fora da Europa". Isso ficou lá atrás. Para mim, nunca foi problema Salvador não ser tão cosmopolita assim. Tinha lá seu charme ser uma cidade grande que trazia em si um quê de cidade pequena. Mas hoje temos problemas de cidade grande sem a menor infraestrutura para nos oferecer uma qualidade de vida minimamente decente, o que a torna somente um enorme e precário aglomerado de infindáveis 3.707.281 habitantes.

Não se trata de pensar que o passado necessariamente seja melhor que o presente. Mas não dá pra não sentir saudades de quando nos era dado o direito de pelo menos desfrutar da cidade, sem esse estranhamento que tanto incomoda diante da constatação de que estamos entregues, junto com ela, ao Deus dará. Em todos os sentidos.

Um comentário:

Marcia disse...

Muito bem!

Não encontrei o comentário sobre a especulação imobiliária da cidade de Salvador. Pensei que já tivesse escrito algo sobre esse assunto. Matéria e intuição vc já tem!
Beijo, Marcinha